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25 de Abril de 2024

O fim da vigência da MP 927/2020 e as consequências jurídicas

Patrícia Monteiro Ramos 03/08/2020 https://www.patriciamonteiroadvogada.com/blog

Publicado por Patricia Monteiro
há 4 anos

A Medida Provisória 927 de 22 de março de 2020 foi criada para o enfrentamento dos efeitos da crise econômica decorrentes da pandemia causada pela Covid-19 e perdeu sua vigência “caducou” no dia 19 de julho de 2020. Embora aprovada pela Câmara dos Deputados, a MP não foi votada pelo Senado antes da data final da sua vigência, portanto não poderá ser reeditada.

Diante da perda da vigência, caberá ao Congresso Nacional, a edição de um Decreto Legislativo, no prazo de 60 dias, que discipline as relações jurídicas praticadas durante a vigência da MP. Caso não ocorra a edição dentro deste prazo, serão conservadas as relações jurídicas constituídas e decorrentes dos atos praticados durante sua vigência, nos termos do art. 62 e seus parágrafos, da Constituição Federal de 1988.

A referida medida provisória flexibilizou as relações trabalhistas durante a pandemia do novo coronavírus com o objetivo de assegurar ao trabalhador seu posto de trabalho face a suspensão das atividades da empresa durante o estado de calamidade. Embora, a MP não tenha sido reeditada ou transformada em Lei, a pandemia, a crise econômica e o estado de calamidade perduram. E de acordo com o Decreto Legislativo 06/2020 até dia 31 de dezembro de 2020. Como ficam então as flexibilizações trabalhistas trazidas pela MP 927/20 diante da sua caducidade?

Primeiramente, é importante frisar que, diante da caducidade da MP 927/20, a legislação trabalhista volta a vigorar nos moldes anteriores, a partir do dia 20 de julho de 2020. Ou seja, as regras que flexibilizavam as leis trabalhistas não poderão mais ser aplicadas nos moldes previstos na referida medida provisória. Dentre essas medidas, destaca-se: teletrabalho; antecipação de férias individuais e concessão de férias coletivas; aproveitamento e antecipação de feriados; banco de horas; suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; e diferimento do recolhimento do FGTS.

1. Teletrabalho

Com relação ao teletrabalho a MP em seu art. 4º permitia que o empregador alterasse unilateralmente o regime de trabalho de seus empregados, de presencial para a distância, bastando uma comunicação com antecedência de 48 horas, sem a feitura de acordo individual ou coletivo ou aditamento ao contrato de trabalho.

Com o fim da MP, o teletrabalho volta a ser disciplinado pelo art. 75- A da CLT, e tem consequências imediatas para o empregador que alterou o regime de trabalho de empregado durante a vigência da MP. Uma vez que, a CLT não permite que a alteração do regime de trabalho seja unilateral, apenas através de acordo mútuo entre as partes mediante registro através de aditivo contratual.

Além disso, os empregados em teletrabalho não poderão retornar de imediato ao trabalho presencial, apenas após respeitado o prazo mínimo de 15 dias de transição de um regime para o outro. Somente, nos casos, em que o empregado entenda que necessita de tempo inferior será possível estipular um prazo menor.

Ainda, com relação ao teletrabalho, outra dúvida recorrente é quanto as horas extras. Ao contrário do trabalho presencial, em que, com exceção dos cargos de confiança, o controle de jornada é obrigatório, no teletrabalho não há essa exigência. O teletrabalho também foi incluído na exceção do regime de jornada de trabalho do artigo 62 da CLT, ou seja, devido à dificuldade de controle, não há direito ao pagamento de horas extras, adicionais noturno, etc. Entretanto, de acordo com alguns precedentes do TST, se houver meio de controle patronal da jornada, é possível reconhecer os adicionais.

2. Diferenciações entre Teletrabalho e Home Office

Embora, a MP tenha tratado o deslocamento do empregado do regime presencial para o remoto como teletrabalho, “home office” não é o mesmo que teletrabalho. E para a melhor compreensão do tema é necessário que abordemos as diferenças existentes entre as demais modalidades de trabalho a distância, como o trabalho em domicílio e o trabalho externo.

A Reforma Trabalhista, Lei 13.467/2017, introduziu um novo capítulo na CLT dedicado especialmente ao tema do teletrabalho, com os artigos 75-A a 75-E. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. O teletrabalho se submete às seguintes regras: (i) previsão expressa no contrato de trabalho, (ii) especificação das atividades realizadas pelo empregado, (iii) assinatura de termo de responsabilidade pelo empregado, e (iv) dispensa de controle de jornada.

O trabalho externo por sua vez, caracteriza pelo grupo de atividades realizadas fora da permanente fiscalização e controle do empregador, onde há a impossibilidade de conhecer-se o tempo realmente dedicado com exclusividade à empresa. Exemplo: cobrador, vendedor, motorista e ajudante de viagem.

E por fim, o trabalho em domicílio é aquele executado na habilitação do empregado ou em oficina de família, por conta de empregador que o remunere. Exemplo: redator, costureira, artesão.

Assim, tanto o teletrabalho como o “home office” são modalidade de trabalho a distância, porém, não são a mesma coisa, possuem características e atributos próprios. Por exemplo, o teletrabalho pode ser realizado em qualquer lugar e não apenas na residência do empregado, esse tipo de atividade pode ser realizada em cafés, hotéis, coworkings, etc. O “home office” pode ser alternado com a modalidade de trabalho presencial, enquanto o teletrabalho é preponderantemente realizado fora das dependências da empresa.

O que não quer dizer, que o home office não possa ser considerado em certas situações como um teletrabalho, desde que, seja realizado remotamente, de maneira não eventual e com utilização de da tecnologia, que é condição preponderante para caracterização do teletrabalho e não configurar trabalho externo.

Porém, dentro do contexto da pandemia, o “home office” na grande maioria dos casos será uma medida temporária adotada pelas empresas enquanto perdurar as normas emergenciais de suspensão das atividades econômicas em virtude do estado de calamidade pública.

Diante dessas considerações, quando o trabalho em “home office” não se configurar como teletrabalho, ou seja, consistir em mera ausência física do estabelecimento da empresa de forma não preponderante, ele estará sujeito a todos os direitos e deveres previstos no contrato de trabalho conforme previsto no art. da CLT. Segundo o qual “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”.

Com relação às horas extras, assim como na modalidade presencial o controle de jornada é obrigatório no "home office", portanto, se houver extrapolação da jornada, serão devidas as horas extraordinárias, pois, “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio (art. da CLT)”.

Quanto aos empregados em cargos de gerência não custa lembrar que estes não se sujeitam a controle de jornada, nos termos do art. 62 da CLT no regime presencial, portanto, também não terão esse direito no regime remoto ou a distância, ressalvadas as situações extremas que desafiam interpretação correspondente.

3. Das despesas com o teletrabalho

Durante a vigência da MP 927/20, o empregador poderia na forma de comodato fornecer os equipamentos necessários para a realização do trabalho remoto, sendo que, não caracterizariam verba de natureza salarial.

A partir do dia 20 de julho, no que diz respeito ao pagamento das despesas oriundas da prestação de serviços em teletrabalho, a CLT prevê em seu art. 75D, que à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito e que não integram a remuneração do empregado.

Assim como no teletrabalho, a legislação trabalhista flexibiliza a questão das despesas, podendo o empregador e empregado acordarem diretamente a maneira como ocorrerá o reembolso de despesas. Lembrando que esse acordo deve ficar registrado por escrito tanto no contrato admissional do funcionário, quanto na política de reembolso de despesas da empresa.

No entanto, embora haja essa flexibilização, a lei também se preocupa em garantir que o custo e o risco do trabalho não sejam totalmente repassados ao empregado. O princípio da alteridade, previsto no art. da CLT, determina que o empregador tem a obrigação de custear as despesas de seu negócio. Por isso, caso o colaborador que exerça teletrabalho passe a ter custos para o desempenho da sua atividade, esses devem ser ressarcidos pelo empregador. Entende-se como custo ao empregado todo e qualquer gasto extraordinário que esse venha ter em função da atividade que exerce para a empresa.

Vale ressaltar que no trabalho “home office” o empregado perde o direito ao recebimento do auxílio-transporte, mas mantém os demais benefícios, como vale-alimentação, vale-refeição, plano de saúde, etc. A não ser que esses benefícios não estejam no acordo feito pelo Sindicato ou no contrato do empregador.

4. Das Férias

A MP 927/20 permitia que as férias poderiam ser concedidas mesmo que o trabalhador não tiver completado o período aquisitivo de 12 meses. A partir do dia 20/07/2020 volta a valer o disposto na CLT, ou seja, as férias só poderão ser concedidas após o período aquisitivo.

Quanto aos efeitos ultrativos, ou seja, se será aplicada a MP após sua revogação aos casos que ocorreram durante o período em que estava vigente. Caso seja editado o Decreto Legislativo no prazo de 60 dias para modular esses efeitos, observará o que ficar disposto no referido decreto. Não havendo a edição, é impossível assegurar que o entendimento jurisprudencial optará por modular esses efeitos.

Portanto, nos casos em que o aviso de férias foi dado antes do dia 20/07/20, mas as férias só teriam início após esta data, o empregador corre o risco de em uma possível demanda trabalhista as férias serem reputadas nulas e, por conseguinte, tal ato ensejar o seu pagamento em dobro.

5. Aproveitamento e antecipação de feriados

A partir do dia 20 de julho a antecipação dos feriados não mais poderá ser adotada pelas empresas. Quanto aos feriados antecipados pelo empregador eles serão considerados válidos, podendo ser utilizados para compensação do saldo em banco de horas, desde que tenham sido especificados expressamente quais feriados foram aproveitados.

6. Do banco de horas

A MP 927/20 flexibilizou as regras contidas na CLT permitindo que, no caso de interrupção das atividades da empresa, a compensação das horas poderia ocorrer no prazo de até 18 meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública, ou seja, a partir de 01 de janeiro de 2021, desde que estabelecido por meio de acordo individual ou coletivo.

A partir de agora, voltam a valer as regras inseridas na CLT, sendo de até 6 meses o prazo para compensação, se firmando por acordo individual, ou de 1 ano, se houver negociação coletiva. Assim, os créditos e débitos computados até o dia 19/07/2020 poderão ser compensados na forma prevista na MP.

7. Segurança do Trabalho

Embora, as condições que motivaram a edição da MP 927 ainda permaneçam, não podemos dizer o mesmo da norma, que caducou, diante da falta de consenso do legislador. E mediante o fim da sua vigência, volta a ser exigida a realização de exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, inclusive, dos exames demissionais. Também retorna a obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho.

8. Do FGTS

Com o término da vigência da MP, além de não restarem outras alternativas às empresas além daquelas relativas à redução e suspensão da jornada de trabalho previstas na MP nº 936/2020, convertida na Lei nº 14.020/2020, não há a possibilidade de elastecimento do prazo de recolhimento ou de parcelamento do valor devido.

  • Sobre o autorPatrícia Monteiro, Professora, Autora e Advogada
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